sexta-feira, abril 20, 2007

Ilusão


"M" by Janosch Simon

Não estou interessado em inventar uma forma surpreendente de captar um possível leitor para este texto, não me sinto apto para trazer do meu íntimo rebuscadas formas de abstracção, seguidas de transformações – árduas por vezes – em letras visíveis por toda a parte, espalhadas, mortas pelo chão que piso vigorosamente. Meros símbolos, com ou sem sentido… Mas há algo que me inquieta. Tem-me acontecido várias vezes durante estas semanas – prevejo que algo vai acontecer.

Esvaem-se dos meus sonhos desejos turvos, concepções ainda perceptíveis, recortadas de insípidas danças eróticas numa imagem que guardo dos teus seios. Dos teus indescritíveis seios, substrato da tua sublime sensualidade, que adormece no alcance da tua língua turbulenta.

Com imagens construo novas imagens, onde me perco… onde me encontro, mas à tua imagem – uma nova identidade. Possuo o teu corpo, agora meu corpo. Contemplo-me a mim mesmo, nesta nova estranheza. É perfeito! Agora, posso realizar as mais perversas das minhas fantasias, sou como um espectro, dentro de ti, dentro de mim. Aprazíveis perturbações possuem-me, agitam-me contra o insaciável chão do meu novo pensamento. Quem sou? Quem fui? Perco-me novamente… sinto-me absorvido. Não me reconheço, procuro-me a mim mesmo, dentro de mim, dentro de ti. Sonho novamente, sonhos resultam em novos sonhos, num mergulho sem fim, vertiginoso… Sinto um leve sabor a sangue na minha boca. A minha visão está turva. Gritos surdos ecoam por este espaço tenebroso e misterioso. Novamente, não me encontro, não me reconheço.

[O tempo escoa-se em novos acontecimentos, possibilitando novas percepções. Há um vazio enorme, que apaga…]

Um murmúrio apodera-se dos meus ouvidos. Vermelho cor do sangue que me irriga, é projectado nos meus olhos pela luz que os acaricia levemente… deve vir da janela aberta. Há uma leveza enorme que me sustém a respiração. Sinto-me ensopado num qualquer fluido… os olhos abrem-se inconscientemente e tacteiam todo o espaço onde me encontro. São confusas as visões que percepciono. Não reconheço nada do que vejo, tudo é disforme, paradoxal... Estou suspenso, flutuo… rodopio, sensações alucinantes percorrem violentamente todo o meu corpo… sou todo sensações... Tudo parou, encontro uma imagem de um corpo, espelhado no tecto… De quem é? Ficou escuro, já não consigo ver, respirar… sinto-me a desaparecer num sono interminável…

[A porta abre-se, um vulto emerge na escuridão do quarto, uma lasciva voz levanta-se]

Para os mesmos olhos, o que tu vês é diferente do que eu vejo. Para um mesmo corpo, o que tu sentes é diferente do que eu sinto.

Segura a minha mão.

Irás ver toda a minha sensualidade sobre ti. O teu desejo, já encontrou um corpo para se exprimir.

nss, 20 de Abril de 2007

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2 Comments:

Blogger Fallen Angel said...

"Saber não ter ilusões é absolutamente necessário para se poder ter sonhos. Atingirás assim o ponto supremo da abstenção sonhadora, onde os sentimentos se mesclam, os sentimentos se extravasam, as ideias se interpenetram. Assim como as cores e os sons sabem uns a outros, os ódios sabem a amores, e as coisas concretas a abstractas, e as abstractas a concretas. Quebram-se os laços que, ao mesmo tempo que ligavam tudo, separavam tudo, isolando cada elemento. Tudo se funde e confunde."

Fernando Pessoa, in 'O Livro do Desassossego'

Não é nada fácil esquecermos a ilusão... Mas só quando ela desaparece é que podemos por em prática os nossos sonhos... Só quando ela se for é que vais poder conseguir o que desejas, sentir o que pretendes e viver o que imaginas:D
beijinho***

11:36 da manhã  
Blogger Nelson Silva said...

Não podia ser melhor: "fiquei sem palavras" :)
Obrigado.
Beijinhos!

2:52 da manhã  

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